Six Feet Under

É inegável que nas últimas décadas a televisão tem ganho importância e nos EUA cada vez mais se está a perder a ideia, defendida durante parte do séc. XX, de que toda a televisão é inferior ao cinema ou teatro e apenas artistas de segunda escolhem uma série em vez de um filme ou uma peça. Talvez um dos maiores exemplos do desprezo pelas obras televisivas é o seguinte diálogo no clássico All About Eve (filme de 1950), entre a personagem de Marilyn Monroe e George Sanders: 
-"Tell me this, do they have auditions for television?"
-"That's, uh, all television is, my dear, nothing but auditions."
Já não se pode pensar desta forma, pelo menos enquanto nomes como Alan Ball, o escritor do brilhante argumento de "Beleza Americana" (um dos meus filmes preferidos), continuarem a criar tesouros como Sete Palmos de Terra (Six Feet Under). Esta séria mostra-nos a vida real de uma família que, ao gerir uma agência funerária, lida diariamente com a morte. Desde já, o primeiro episódio é dos mais promissores e bem desenhados que eu já vi em qualquer série. Já muitas vezes elogiei uma obra pelo seu realismo mas esta série ultrapassa quase tudo o que já vi numa sala de cinema ou em casa. A cada episódio somos confrontados com um conjunto de personagens que poderiamos, sem qualquer esforço mental, imagimar como sendo nossos vizinhos e são de facto estas personagens um dos maiores atributos desta brilhante série. Durante a maior parte do tempo que me encontrei a vê-la, senti-me como um intruso a filmar a vida de pessoas que começaram por ser estranhas e se vieram a tornar conhecidas e familiares. Não há grandes momentos de acção, efeitos especiais, etc. Acima de tudo não existe praticamente nenhum lugar-comum. Há apenas uma profunda exploração do ser humano da sociedade ocidental, sem recurso a estereótipos. Posso afirmar com certeza que muitos dos nossos preconceitos, medos, preocupações, segredos, problemas, pensamentos, reflexões, opiniões (enfim...parte das nossas vidas) irão surgir de forma natural em vários momentos ao longo desta série. Além do imenso mérito de Alan Ball com a criação, realização e argumento desta obra, seria extremamente injusto não mencionar as brilhantes interpretações, com destaque para o enorme talento e carisma de Rachel Griffiths como Brenda Chenowith, Michael C. Hall como David Fisher e Frances Conroy como Ruth Fisher. Gostaria ainda de mencionar Lauren Ambrose cuja personagem consegue ter identidade própria e ao mesmo tempo características ou problemas com os quais qualquer adolescente ou jovem adulto se consegue identificar muitas vezes (estou-me a incluir neste grupo obviamente). Finalmente, tal como em "Beleza Americana", acho que a música, pela forma quase simbiótica como se associa à história, merece ser mencionada. Vejam esta série, pelo humor negro, pela interacção dos mortos com os vivos, pelas fantásticas introspecções das personagens ou simplesmente porque se identificam com os eventos ou pessoas. Recomendo ao mundo inteiro mas quem não for capaz de sentir algo que não seja indiferença ao ver um episódio então nem se dê ao trabalho de ver mais nenhum.

Crimes and Misdemeanors

Um tesouro de Woody Allen e até hoje o meu filme preferido deste brilhante realizador. Este filme conta a história das vidas de um oftalmologista que vê a sua riqueza, estatuto e casamento ameaçados pela sua amante e de um cineasta, num casamento a morrer lentamente, que se apaixona por outra mulher. Uma profunda discussão sobre a ausência de moralidade na nossa sociedade, feita de forma subtil e sempre com momentos de comédia ao estilo inconfundível de Woody Allen (a começar na forma incrível como acaba o encontro romântico da irmã de Cliff). Relativamente à simbologia, para mim os mais óbvios e perfeitos exemplos são o facto da personagem mais religiosa do filme ficar cega e a forma como as carreiras de Lester e Cliff podem ser vistas como duas faces da mesma moeda (entenda-se carreira), duas abordagens ao trabalho e à vida completamente distintas. O outro tema fundamental debatido nesta obra é a forma como julgamos as pessoas à nossa volta com preconceitos e aí, apesar do tema ser frequentemente discutido em muitos filmes, penso que Woddy Allen foi brilhante na forma como nos levou a cometer esse mesmo erro de julgamento com muitas das personagens. Quantos espectadores, depois de considerarem Cliff um bom mentor para a sua sobrinha, não terão ficado surpreendidos quando este lhe confessou claramente a ideia do possível adultério? Quantas pessoas, após classificarem Lester de arrogante, superficial, confiante e egoísta, não terão ficado chocadas, quer com a sua nova relação, quer com a sua admissão de tensão e insegurança em relação a Cliff? É realmente surpreendente a forma como num filme de menos de duas horas conseguimos achar que conhecemos uma personagem e em tão pouco tempo a nossa visão dela é abalada. Tudo isto nos é transmitido por um excelente elenco, sustentado claro por um argumento perfeito de Woody Allen. A nível de interpretações enalteço o papel convincente de Alan Alda e especialmente o formidável desempenho de Martin Landau, que me volta a surpreender depois do seu "Drácula" em Ed Wood. Li no IMDB que Woody Allen decidiu fazer este filme depois de ter sido "demasiado simpático" com as personagens de um dos seus filmes anteriores, Ana e as Suas Irmãs, que também já referenciei neste blogue. Talvez seja por essa abordagem mais realista e sombria que gosto mais deste Crimes and Misdemeanors, que, no entanto, mantém os traços do seu carismático realizador. Recomendo muito e aviso quem vir o filme para não estranhar se se identificar com alguma personagem ou situação...

The Tree of Life Trailer 2011 HD


Não gosto do facto de os trailers saírem tão antecipadamente ao próprio filme, mas pela enorme curiosidade com que me deixou, coloquei este aqui. Estreia apenas em Maio do próximo ano...

Toy Story 3 - sou teu amigo sim!

Mais um sucesso da Pixar, cuja imaginação e extraordinária forma de contar histórias me continuam a espantar. Chega ao fim uma das obras mais marcantes da nossa infância, que ficará para sempre na nossa memória. Este terceiro filme encontra-se totalmente ao nível dos dois primeiros e ainda acrescenta profundidade às personagens e aos temas introduzidos. Aliás é preciso mencionar o excelente argumento de Michael Arndt e a realização de Lee Unkrich que nos oferecem uma história menos previsivel do que se poderia esperar, além de comovente, hilariante e por vezes assustadora, especialmente para crianças. Quanto ao elenco, as vozes são perfeitas o que mostra um importante cuidado na preparação deste filme. Continuo a colocar o Rei Leão no topo das minhas memórias de infância, mas ao contrário dessa obra-prima, Toy Story teve sucessores merecedores do seu estatuto. É impossivel depois desta experiência pensar num brinquedo de forma fria e distante. Espero chegar aos meus 100 anos e lembrar-me do Sr. Cabeça de Batata a lutar com uma pomba, do Buzz Lightyear e da sua famosa expressão "To the infinity and beyond" e do Woody a dizer "There is a snake in my boots". Nem preciso de dizer que recomendo. O mundo inteiro devia ver este filme e nunca mais se esquecer do valor e da importância de um brinquedo nas nossas vidas.

Caché

Caché é uma criação de Michael Haneke. Um filme obscuro, ousado e perturbador. Tinha já várias vezes lido sobre o menosprezo de Haneke relativamente ao cinema mainstream, às soluções superficiais para problemas complexos tantas vezes apresentadas pela sétima arte e às estruturas e ideias pré-concebidas. Com este realizador não se pode esperar obter qualquer resposta concreta. Tudo depende da nossa subjectividade e muitas das nossas conclusões poderão revelar mais sobre nós do que sobre a história que pudemos observar. Esta obra retrata a vida de um casal atormentado por uma pessoa sem identidade através de uma série de cassetes colocadas à porta de sua casa. Um dos maiores destaques vai logo de início para a forma estática como a câmara se comporta. Aliás a câmara parece neste filme ter o papel de personagem e uma personagem de extrema importância. O próprio espectador poderá por vezes sentir-se o perseguidor ou a vítima, tudo pela forma como Haneke realiza. A introdução de tantas questões sem qualquer resposta confunde o espectador que depois é chocado quando menos espera. Para além do efeito de confusão, os vários temas polítcos e sociais abordados no filme oferecem uma maior liberdade à interpretação de cada um. Uma das maiores forças deste filme é, no entanto, o seu elenco. Daniel Auteuil e Juliette Binoche formam o casal de intelectuais de classe média que vê a sua estabilidade perturbada pelo aparecimento de desenhos sinistros ou vídeos incómodos. Auteuil é perfeito como o marido controlado e educado que sofre silenciosamente. A sempre deslumbrante Binoche consegue nos seus momentos, com uma naturalidade notável, dar uma carga emocional ao filme. Há muito que admiro esta actriz pelo seu enorme talento e beleza. Aplaudo muitas das suas escolhas profissionais e considero-a uma das melhores actrizes da última década. Em relação aos secundários, Maurice Benichou é inesquecível no seu pequeno mas vital papel. Lester Makedonsky e Walid Afkir têm também óptimos desempenhos apesar da sua juventude. Acho que Haneke sacrificou algumas coisas, como a narrativa, para obter o efeito desejado, mas gostei e achai o filme extremamente interessante. Não é nada a que eu esteja habituado por isso foi uma agradável novidade. Recomendo mas aviso que muitos não gostarão.











Being John Malkovich - a bizarre and unique experience

Craig é um titereiro (aqueles homens que controlam as marionetas) profissional que um dia descobre, no seu recente e enigmático emprego no piso "7 e meio" de um grande edifício, um portal para a cabeça de  John Malkovich, o famoso actor. Este filme é tão único e estranho que o melhor é não falar muito sobre o seu conteúdo, para não estragar a experiência a quem ainda não o viu. Apesar das excelentes interpretações, incluindo extraordináriamente até o desempenho de uma irreconhecível Cameron Diaz, é o argumento de Charlie Kaufman, o conceituado escritor de Adaptation e Eternal Sunshine of The Spotless Mind, e a realização de Spike Jonze - na sua estreia como realizador -  que mais se destacam.

Scarface - A Força do Poder

Visto por uns como um filme de culto sobre gansters e por outros como um extraordinário drama. Não gosto de dar rótulos a um filme mas concordo sem dúvida mais com a segunda classificação do que com a primeira. Uma obra absolutamente excessiva em tudo o que a constitui, mas se percebermos que é esse mesmo o objectivo mais facilmente gostamos deste filme. Eu gostei e considero-o obrigatório para qualquer fã de Brian de Palma ou Al Pacino.

Underground - simply a work of art!

Já passou mais de um ano desde que um grande amigo meu me chamou inculto por desconhecer os filmes de Emir Kusturica. Como sou orgulhoso, não gostei que me chamassem inculto e assim que pude tratei de ver um filme desse cineasta. Esse amigo, também cinéfilo, aconselhou-me, muito sabiamente diga-se de passagem, a ver o Zivot je Cudo (Life is a Miracle). Fiquei abismado com a forma pura como o filme se desenrolou e ainda hoje o considero um dos meus filmes preferidos. Uma obra calorosa feita por pessoas para pessoas (expressão muito bem usada por esse meu amigo), uma viagem intemporal pelas vidas de pessoas aparentemente comuns mas que se revelam ou vivem coisas extraordinárias. Sem pretensões, sem grandes perspectivas comerciais, sem grandes estrelas, sem um grande orçamento, apenas uma experiência sem igual que dificilmente saírá da cabeça do espectador. Não deve no entanto passar a imagem de que estes filmes se limitam a entreter sem qualquer conteúdo, antes pelo contrário. Li uma vez, já não me lembro onde, que "...Kusturica não faz um filme de cada vez, faz 10...". Morte, amor, religião, política, patriotismo, laços de família, traição, entre muitos outros, surgem ao longo destes filmes como poderão observar e/ou sentir. Vi até agora três filmes da autoria deste grande Senhor: "A Vida é um Milagre", "Gato Preto Gato Branco" e muito recentemente "Era uma Vez um País" (Underground).
Este último é também uma verdadeira obra-prima e tem sem dúvida muitos dos traços de Kusturica. Há um realismo perfeito, o predomínio da acção ao invés da descrição, o mais importante na interpretação é a emoção/sensação transmitida e não o aspecto técnico, o destaque é da cena como um todo e não de um actor em particular. Outra coisa que adorei foi a total liberdade com que os actores desempenhavam o seu papel. Em certos momentos certa personagem parecia quase sobrehumana, tal era a sua vivacidade, enquanto que noutros momentos, de forma inesperada e brilhante, os actores saíam do seu papel e gozavam consigo próprios. Todos os actores aliás são apenas importantes quando se considera todo o elenco, que nos filmes de Kusturica é uma verdadeira força da Natureza, transmitindo um turbilhão de sensações ao longo do filme. Tantas personagens em interacção constante, a comer, a beber, a cantar, a dançar, a tocar, a amar, a mentir, a trair, a matar...transmitem essa vivacidade única que muito dificilmente será encontrada em obras sem a participação deste realizador sérvio. Descobri após ver o filme que este sentiu muitas dificuldades e foi muito criticado quando esteve em exibição nos cinemas, devido às suas reflexões políticas. Tenho pena que isso aconteça porque essas reflexões servem apenas para provar o quanto Emir Kusturica pensou, investiu e trabalhou nesta criação que é sem dúvida das mais brilhantes que já vi. 
Vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 1995. Recomendo infinitamente, mas sei que nem todos gostarão deste filme...

Ed Wood - A True Hollywood Story

Ed Wood conta a história das dificuldades de um estranho realizador sem qualquer talento mas com grande força de vontade para se tornar num dos grandes nomes de Hollywood. Ninguém  mais que Tim Burton poderia desta forma criar um filme excêntrico e hilariante baseado na vida daquele que foi considerado o pior realizador de todos os tempos. Uma história sem igual composta pelas filmagens de várias películas recheadas de péssimos argumentos ("Future events such as these will affect you in the future..."), péssima narração, péssimas interpretações, péssima cinematografia (da autoria de um daltónico), mas acima de tudo uma péssima realização por parte de Edward D. Wood Jr., representado na perfeição por Johnny Depp. Continua a impressionar-me que a cada filme que Tim Burton faz com este actor corresponde uma interpretação sem precedentes e impossível de copiar. Relativamente aos secundários, destaque para Martin Landau, formidável na pele de Bela Lugosi, o homem que imortalizou Drácula, papel que o tornou mundialmente famoso mas que ironicamente se revelou a maldição da sua carreira. Esta é uma viagem pelos estúdios da região que foi outrora o centro mundial da sétima arte mas que se perdeu pela ideia de vender a qualquer custo. É curioso mas muito provavelmente Ed Wood não seria na actualidade classificado como o pior realizador da História, tendo em conta que as suas ideias não são mais absurdas que muitas daquelas com as quais nos vemos confrontados...

Bonnie and Clyde

Um clássico do cinema americano. Uma das primeiras e melhores demonstrações da obessão por violência na sociedade americana. Bonnie and Clyde são imortalizados por Faye Dunaway e Warren Beatty num filme intencionalmente excessivo na sua brutalidade mas que nunca perde o seu fio condutor. Incrível a forma como, após todos os crimes testemunhados pelo espectador, este não consegue deixar de simpatizar por vezes com os seus perpetradores. Admito que dei por mim a lamentar o destino destas personagens em certos momentos, o que denota a forma inteligente como a história é realizada. A melhor interpretação que vi até hoje de Beatty, aqui no papel de um impotente rapaz do campo que descarrega a sua frustração sexual através de uma pistola, mas que raramente ou nunca é odiado pela audiência devido ao seu aspecto benigno e ao seu sorriso pateta. Dunaway é perfeita como a beleza sulista que despreza a vida que leva e vê em Clyde Barrow uma oportunidade de fugir de tudo o que a rodeia e de desfrutar com imenso prazer de qualquer momento de adrenalina em que possui uma arma nas mãos. Mesmo após perceber que não terá o seu desejo sexual satisfeito por este homem, ela não é capaz de abandonar a única pessoa que alguma vez a compreendeu e a fez sentir verdadeiramente importante e, acima de tudo, viva. Esta obra permanece na História da sétima arte, nos Estados Unidos, como um dos maiores triunfos na manipulação da audiência. Muito do mérito tem de e deve ser atribuído à realização com enorme mestria de Arthur Penn, cineasta recentemente falecido. Este é, sem dúvida, o maior feito da sua carreira.