Underground - simply a work of art!

Já passou mais de um ano desde que um grande amigo meu me chamou inculto por desconhecer os filmes de Emir Kusturica. Como sou orgulhoso, não gostei que me chamassem inculto e assim que pude tratei de ver um filme desse cineasta. Esse amigo, também cinéfilo, aconselhou-me, muito sabiamente diga-se de passagem, a ver o Zivot je Cudo (Life is a Miracle). Fiquei abismado com a forma pura como o filme se desenrolou e ainda hoje o considero um dos meus filmes preferidos. Uma obra calorosa feita por pessoas para pessoas (expressão muito bem usada por esse meu amigo), uma viagem intemporal pelas vidas de pessoas aparentemente comuns mas que se revelam ou vivem coisas extraordinárias. Sem pretensões, sem grandes perspectivas comerciais, sem grandes estrelas, sem um grande orçamento, apenas uma experiência sem igual que dificilmente saírá da cabeça do espectador. Não deve no entanto passar a imagem de que estes filmes se limitam a entreter sem qualquer conteúdo, antes pelo contrário. Li uma vez, já não me lembro onde, que "...Kusturica não faz um filme de cada vez, faz 10...". Morte, amor, religião, política, patriotismo, laços de família, traição, entre muitos outros, surgem ao longo destes filmes como poderão observar e/ou sentir. Vi até agora três filmes da autoria deste grande Senhor: "A Vida é um Milagre", "Gato Preto Gato Branco" e muito recentemente "Era uma Vez um País" (Underground).
Este último é também uma verdadeira obra-prima e tem sem dúvida muitos dos traços de Kusturica. Há um realismo perfeito, o predomínio da acção ao invés da descrição, o mais importante na interpretação é a emoção/sensação transmitida e não o aspecto técnico, o destaque é da cena como um todo e não de um actor em particular. Outra coisa que adorei foi a total liberdade com que os actores desempenhavam o seu papel. Em certos momentos certa personagem parecia quase sobrehumana, tal era a sua vivacidade, enquanto que noutros momentos, de forma inesperada e brilhante, os actores saíam do seu papel e gozavam consigo próprios. Todos os actores aliás são apenas importantes quando se considera todo o elenco, que nos filmes de Kusturica é uma verdadeira força da Natureza, transmitindo um turbilhão de sensações ao longo do filme. Tantas personagens em interacção constante, a comer, a beber, a cantar, a dançar, a tocar, a amar, a mentir, a trair, a matar...transmitem essa vivacidade única que muito dificilmente será encontrada em obras sem a participação deste realizador sérvio. Descobri após ver o filme que este sentiu muitas dificuldades e foi muito criticado quando esteve em exibição nos cinemas, devido às suas reflexões políticas. Tenho pena que isso aconteça porque essas reflexões servem apenas para provar o quanto Emir Kusturica pensou, investiu e trabalhou nesta criação que é sem dúvida das mais brilhantes que já vi. 
Vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 1995. Recomendo infinitamente, mas sei que nem todos gostarão deste filme...

2 comentários:

  1. Foi uma honra poder ter-te apresentado este grande senhor.
    Gostei bastante da critica, conseguiste passar o bocadinho da humanidade que está presente nos filmes através do texto para o leitor. Eu pelo menos senti isso. Não me lembro de ter dito que era um filme de pessoas para pessoas, e admiro-me que te lembres, mas não me podia identificar mais com essa frase.
    Parabéns pelo bom trabalho!
    Este filme acabou de ficar no topo da minha "to see list".

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